Domicio Pedroso

Museus são espaços vivos e de conhecimento, que incrementam repertório e proporcionam experiências únicas a seus públicos. Ao apresentar a exposição desse importante artista curitibano, Domicio Pedroso, que nos deixou há exatos dez anos, o Museu Oscar Niemeyer faz mais do que isso. Encontramos aqui pertencimento e valorização da cultura local.

Maior museu de arte da América Latina, com um acervo de 14 mil obras, o MON tem vocação para artes visuais, arquitetura e design, com ênfase em arte brasileira, em especial, arte paranaense. 

Artistas do nosso Estado estão sempre presentes em exposições e na coleção permanente da instituição. Estabelecer diálogos constantes entre eles e suas obras com nossos visitantes é um dos principais objetivos do MON. 

Na exposição “Domicio Pedroso: a Tessitura Urbana como Poesia”, o público encontra cerca de 85 obras, coloridas ou monocromáticas, que revelam um recorte da vasta produção do artista. Amplamente reconhecido por sua habilidade em combinar técnicas e estilos artísticos, Domicio imprimiu sempre um estilo muito próprio e intuitivo, inovador.

Dividida em quatro núcleos, a mostra leva o público a “Paris e Viagens, as Marinhas”, aos “Autorretratos e Retratos”, aos “Casarios e Favelas” e à “Nova Figuração: Caminhos para a Abstração”. São temáticas do artista, tão diversas quanto interessantes.

Percebemos, ao admirar tais trabalhos, o quanto a arte tem a capacidade de comunicar sem palavras, permitindo um elo entre pessoas, mundos e vivências. Apreciem!

A trajetória artística de Domicio Pedroso é marcada por erudição e diversidade: animador cultural, dirigente regional da Funarte, expógrafo, curador e, fundamentalmente, pintor e gravador. Profundo na linguagem da pintura, especialista em gravura, pioneiro na serigrafia artística e comercial, ensinou técnicas distintas e atuou no planejamento e montagem de exposições (expografia), além de efetuar brilhantes curadorias.

Esta mostra volta-se a uma retrospectiva da sua produção artística e do seu papel na vida cultural brasileira. A exposição destaca a energia artística de pinturas, desenhos e gravuras, nas temáticas das Marinhas às Favelas e aos Aglomerados Urbanos (em que o artista alcança certo grau de abstração). Abrange a sua vasta produção artística, desde os anos 50 aos últimos tempos, revelando a singularidade da poética de Domicio, construída de forma original no intervalo entre realismo, cubismo e abstração.

Na chegada à abstração, revela-se um artista fortemente intuitivo. Intuição não como força mística, mas como trabalho que não dispensa a razão, um trabalho construtivo. É uma forma profunda de ver e de perceber, na qual o olho já é espírito. Barcos, casarios, sobrados, sobreposições de casas, emaranhados das superfícies dos telhados dos casebres e das favelas, aglomerados urbanos... Formas que tanto atraíam o pintor e que, igualmente, nos fascinam.

Sua pintura emerge do grande debate entre figuração e abstração dos anos 1960 e 1970. Acreditava que toda experiência e visão são reminiscências da realidade. A partir da paisagem mais convencional, objetiva, realista, o artista vai simplificando, geometrizando, até suscitar imagens – ou sugestões de imagens – que convocam a interpretação do observador. Eliminando as linhas de fuga de uma perspectiva central, ele procura a estruturação espacial do tecido das cidades, fazendo surgir dela toda a sua poética. Desse olhar pessoal, o artista estende sua visão para a beleza universal.

Como todo artista imaginativo, Domicio é um grande viajante, na dimensão real e no imaginário. Desde os barcos e saveiros da Bahia às gôndolas de Veneza e aos velhos barcos de pesca de Volendam, o artista transita pelas paisagens brasileiras, pelas favelas do Rio de Janeiro, pelos casebres e aglomerados da sua cidade de Curitiba, pela festa de cores dos vitrais de Chartres e Paris, por tantas ruas de tantos lugares, ensejando várias imaginativas. O artista nos convida a viagens profundas na alegria de descobrir novos mundos por meio do encanto da arte.

O autorretrato é sempre uma conversa com a intimidade. Encontramos nos autorretratos de Domicio um certo distanciamento, alguém que não se expõe, uma certa proximidade com a impessoalidade de Cézanne. Mas também encontramos, nos retratos dele pintados por outros artistas, diferentes modos de tentar apreendê-lo: absorto em De Bona, lírico em Massuda, reservado em Wollerman, cézanniano em Wong. Uma alma difícil de ser alcançada. Um homem profundamente enigmático.

No Morro do Cabrito (RJ), Domicio “sentiu o lado pictórico das favelas, que ao lado de seus problemas sociais oferece também um exemplo de integração comunitária” (Aramis Millarch). Esse primeiro contato marcou profundamente a sua obra, revelando uma grande empatia pela arquitetura orgânica das favelas, que vai ocupar a sua palheta e o seu imaginário.

Da Nova Figuração à Abstração, Domicio equilibra-se entre o cubismo e a abstração e expande o senso construtivo, sem chegar a uma abstração stricto sensu, sempre confiando na intuição. A intuição exige uma volta aos fenômenos (favelas), em que as formas vão se desvanecendo e a figuração alusiva é atenuada, negando-se toda a perspectiva e afirmando-se a frontalidade da superfície pictórica. Sua pintura afirma um novo sentido no uso das horizontais/verticais e dos aplats, que ganham contornos sensuais com o uso da cor. Da arte abstrata, apropria-se da transcendência. Inverno em Paris (1961) e Composição Branco e Preto (2007) talvez sejam as obras mais próximas à abstração, ascendendo a um verdadeiro jogo entre verticais e horizontais, procedimento adotado nos seus últimos trabalhos. Mas é a rudeza da urbe que o cativa definitivamente. É uma longa estrada até o momento em que suas favelas se despedem da mera figuração e alcançam um refinamento. Não resvala na assepsia geométrica, a salvo dela pela sedução da cor. O caminho da depuração e da simplificação vai se dando gradativamente, e é esse exercício que lhe permite uma depuração cada vez maior que o faz desaguar na abstração lírica – ocasião em que o rigor geométrico cede definitivamente lugar à ordem do sensível e a rudeza da urbe sucumbe ao lirismo em que cores e luzes criam a festa.